Você
já sabe, acordei cedo, carreguei a moto, tomei café e pouco antes das seis
horas ouvi o barulho da moto do Clyde.
Saímos em direção à Linden. Uma maravilha não me preocupar com o caminho, alias
não vi uma placa indicando a cidade de Linden. Deixamos Georgetown e seu
trânsito caótico para trás e por uma boa rodovia asfaltada chegamos a Linden.
Paramos para tomar uma Coca-Cola após a ponte, que cobra pedágio, conversamos
mais um pouco, o Clyde me perguntou: “Mas não aconteceu nada nesta viagem? Nem
um pneu furado?” respondi: “Nada, uma maravilha”, e batemos 3 vezes na mesa.
Seguimos até o trevo onde nos separaríamos, mais uma parada para fotos e uma
videocassetada, o descanso da minha moto afundou na areia e ela tombou. O Clyde
ainda tentou segurar, mas não teve jeito. Tudo registrado pela câmera que já
estava posicionada e com o timer ligado, levantamos a moto, pesada com toda a
bagagem e gasolina reserva. As proteções instaladas evitaram maiores danos,
apenas uns ralados e nada mais. Nos posicionamos novamente e fizemos a foto.
Nos despedimos, agora era eu comigo mesmo.
Eu
tinha gasolina, comida, uma moto preparada, peças sobressalentes e muita
vontade. Interessante como pouco antes da viagem e até mesmo no início dela eu
estava muito ansioso e receoso, agora tinha ganhado confiança, me encontrava no
trecho mais desafiador e estava muito tranquilo. Iniciei sentindo o terreno, no
início a estrada era larga, os carros e caminhões fazem uma trilha sinuosa
buscando o melhor caminho. Em Georgetown eu tinha falado com os motoristas de
van que fazem o trajeto. Eles me contaram que a estrada estava seca e eu estava
muito feliz por constatar que era verdade. A estrada alterna todo tipo de piso,
pedras irregulares, pedrinhas redondas, areia, costelas de vaca, buracos, as
vezes tudo isso junto em plena curva. A moto não gostou das costelas de vaca,
parei e murchei os pneus, ficou ótimo, pelo menos por enquanto! Fui parando
frequentemente. Comi um pão e uma banana no meio da manhã, tomei muita água.
Tinha preocupação em me manter bem alimentado e hidratado, o dia poderia ser
longo.
Cruzei
com muitas vans e camionetes, todos andavam mais rápido do que eu, exceto
alguns caminhões carregados. Durante a manhã a estrada esteve bem movimentada e
na maioria das vezes em que parei para comer, beber ou tirar fotos e passava
algum veículo este diminuía e esperava algum sinal, eu mandava um positivo e
ele seguia viagem. Existe uma solidariedade entre os viajantes nestas remotas
paragens. Pouco depois das 11:30h cheguei num ponto chamado Mile 58. É um bom
ponto de apoio com restaurante, posto de gasolina, borracharia e uma igreja
onde acontecia um culto naquele momento. Completei o tanque da moto e almocei
arroz com frango frito. Um Surinamês numa camionete que encontrei o tempo todo na estrada veio falar comigo,
apresentou sua irmã. Ele estava com três moças no carro, queria que eu levasse
uma. Dessa vez dava jogo, gostei das gurias, mas vida de viajante não é fácil.
Tenho que seguir os planos... Elogiei todas com merecidos comentários. Eles
partiram e eu continuei solteiro. Veio falar comigo uma mulher, paraense de
Paraubebas , gostou da moto, que fez ela
recordar da sua, igual a minha que fora roubada. Espero ter melhor sorte! Ela
estava chegando de carona, trazia um pneu furado para conserto. Pediu para que
eu desse um recado para o homem que ficou na camionete azul, que estava parada
depois da travessia do rio: “Ela mandaria o pneu
no 1º carro que fosse naquela direção”. Da forma como ela falou parecia logo
ali. 2 horas para frente disse ela. Renovado com a meia hora de descanso, subi
na moto e segui viagem.
Mais
um pouco de estrada, 23km, e cheguei a Mabura Hill, parei no posto de controle
e aguardei o policial voltar do almoço para registrar minha passagem, apesar de
haver uma mulher no local que dizia não ser necessário o registro. Mas li
relatos de viajantes que tiveram que voltar todo o caminho para fazer o
registro que não haviam feito. Eu que não me arriscaria, estava preparado para
uma viagem de ida somente.
Segui
viagem contemplando a mata e desviando dos perigos. Cheguei na balsa para
travessia do rio Essequibo pouco antes das 4 horas da tarde. 323Km rodados em 9
horas, média de 35km/h. Motos só atravessam na balsa se houver algo maior
junto, como um carro ou um caminhão, eu
sabia que vinha um caminhão atrás de mim, então
estava tranquilo. De qualquer forma o funcionário da balsa pediu para
embarcar a moto porque eles atravessariam o rio para buscar outro caminhão na
outra margem. O caminhão que vinha atrás logo chegou e a balsa partiu carregada.
Às 4:20 toquei a margem sul do Essequibo e segui
para o posto de controle que há logo em seguida. Anotaram minha passagem em
dois livros. Neste ponto da estrada e imediatamente antes da balsa existe
apoio, lugar para ficar e dormir. Na margem sul do rio existe um Lodge bacana,
Iwokrama River Lodge, com chalés com vista para o rio. Confesso que fiquei
tentado, mas como imaginava que no máximo em 1 hora chegaria ao lugar planejado
para pernoite, o Atta Lodge, continuei para a última etapa do dia. O tempo foi
passando e nada do lugar, imaginava que estaria a uns 25 Km do rio. Estava
chegando perto dessa marca, 5 horas da tarde, quando a roda dianteira acertou
um buraco na estrada com mais força. A gente sabe quando a moto não gostou do
buraco, diminui a velocidade e esperei para sentir o comportamento da moto, não
demorou a frente começou a dançar mais que rainha da bateria de escola de
samba. Parei e fui verificar o que tinha acontecido: aro e raios intactos, pneu
murcho. Maravilha, hora de colocar em prática tudo que havia treinado
mentalmente. Estacionei a moto na beira da estrada. Bebi água, coloquei meu
chapéu, descarreguei tudo, calcei a moto com o bauleto, e com a frente suspensa
retirei a roda para conserto. Usei pela primeira vez as espátulas para
desmontar o pneu. Não perdi tempo procurando o furo, troquei logo a câmara por
uma reserva. Agora era a hora de encher o pneu com a bomba de ar da minha
bicicleta. Após 200 bombadas, 15 libras, opa, funciona, mais 100 bombadas,
pronto 20 libras. Montei tudo novamente e com um pitstop de menos de meia hora
já estava pronto para seguir.
Comecei
a pilotagem bem devagar e com muita atenção até sentir confiança no meu
trabalho. Em pouco tempo encontrei a camionete azul que aguardava o pneu que
foi levado para consertar. Parei e dei o recado para o homem que lá aguardava.
Àquela hora talvez não aparecesse mais ninguém e ele passaria a noite na
estrada. O tempo em que conversamos foi o suficiente para escurecer. Noite sem
lua no meio da floresta, acredite, é escuro pacas!
Entrei
na estradinha de acesso com todo cuidado e segui até o estacionamento. Já havia
uma moto de outro viajante, me senti bem, ali havia outro como eu. Desci da
moto e caminhei até a recepção, eu ainda estava um pouco adrenalizado . Fui
recepcionado pelo Leon que me atendeu com muita educação e perguntou quais meus
objetivos ali, ao que respondi: “Neste momento, tomar um banho, jantar e
dormir.” Ele confirmou com a cozinheira se haveria comida para mais um hóspede
e comunicou o preço da diária, 180 doláres, agradeci mentalmente não ter gasto
esse dinheiro no passeio de avião para Kaieteur Falls, e disse:”ok!”.
O
valor da diária incluiu o jantar, café da manhã, almoço, uma visita à passarela
de observação de pássaros e outros passeios pelas trilhas da mata. Fui
apresentado aos outros hóspedes, um suíço que estava de moto, e um canadense
que estava lá prestando uma consultoria voluntária sobre como gerenciar o hotel
e receber os clientes. O Leon me mostrou o quarto, voltei e fui pegar as coisas
na moto, o canadense se aproximou e chamando pelo meu nome perguntou se eu
precisava de ajuda. Que vergonha , naquela agitação da chegada não memorizei
seu nome e ele foi extremamente gentil. Agora sei, é Wayne e é um gentleman.
Agradeci, mas estava descarregando apenas o baú. Fui para o banho sob as
estrelas, sim sob as estrelas, o chuveiro não tem teto. Me sentindo um ser
humano mais limpo e agradável fui para o refeitório onde o jantar nos
aguardava. O Leon explicou que seria um jantar com 3 pratos e descreveu cada um
deles antes que nos servissem, impecável. Durante o jantar conversamos e fiquei
sabendo que o suíço já havia viajado toda a África e agora estava explorando as
Américas. Falamos muito de moto e que o
meu problema era usar uma moto que usa câmaras nos pneu, já a sua BMW não usa,
então não tem esse problema. Concordo com ele, mas não tenho nem o capital nem
o porte físico necessários para andar de BMW por aí. Fim de papo. Confesso que
estava muito cansado para ficar de papo após o jantar e me recolhi logo, também
a agenda para o outro dia começaria cedo.