Não
imaginem o meu navio como um transatlântico, no Norte 'navio' é como são
chamados os barcos de ferro ou aço. Se for de madeira é barco mesmo. A primeira
providência ao embarcar é armar sua rede. Eu prefiro o espaço aberto, sem ar
condicionado. Também é importante ficar longe dos banheiros e do bar do navio.
Eu havia ido até o barco bem cedo no dia da partida para reservar meu lugar. Quando voltei, dois
jovens estrangeiros haviam movido a minha rede e me espremeram. Fiquei pau da
vida. A rede de cada um é sagrada , não se mexe. Mudar de local então?! Ofensa
gravíssima. Eu não conseguiria viajar ao lado dos tais, ainda mais que reclamei
e fizeram cara de desentendidos. Peguei minha rede e mudei para uma vizinhança melhor,
ao um lado um casal que estava mais “interessado” um no outro e de uma turista
da Áustria, a Anna. A Anna acabou sendo minha companhia em praticamente todas
as refeições. Interessante a disposição dela algum tempo atrás veio ao Brasil
numa viagem em grupo, gostou do país e decidiu voltar sozinha. Falando
pouquíssimo português, estava feliz da vida dormindo em hotéis de selva,
albergues e rede. Gosto do espírito jovem, afinal estou nessa também!
A
rotina do navio é acordar cedo, não tem outra forma, o pessoal começa a se
movimentar logo que o dia amanhece. É servido o café da manhã, que neste navio
é pago, (normalmente o café é grátis). Depois rola mais uma preguiça na rede.
Levanta-se e sempre se encontra alguém para conversar. No dia da partida
encontrei dois amigos paranaenses de Coronel Vivida, O Luciano e o Wagner.
Viajavam de camionete e como eu, só conseguiram embarcar o carro a noite. Mas é
claro, a noite fica mais emocionante, parece que tudo nesses portos é feito do
jeito difícil.
Durante
a noite já trocamos umas informações, eles fariam a Transamazônica até Marabá,
um trecho que estava nos meus planos, mas que desisti após ver a previsão de
chuvas para a região. Durante os três dias que navegamos até Santarém
conversamos muito. Bons companheiros e amigos de estrada, ou rio. Nas nossas
rodas de conversa estava também um casal de italianos de Cremona, a Nirmy e o
Federico. Uma característica dos mochileiros mais jovens é fazer tudo da forma
mais barata para poder ficar mais tempo viajando. Um exemplo, estavam no
Pantanal Sul e para chegarem ao Amazonas tomaram um ônibus na Bolívia por ser
mais barato. Eles contaram que a viagem foi muito desconfortável, mas que valeu
a pena! Quando desembarcaram em Santarém eles seguiriam de carona com nossos
amigos na camionete.
A
partir de Santarém os amigos se renovaram. Continuei com a companhia da Anna
nas refeições e juntou-se a nós a Pauline, jovem holandesa que estava no fim de
uma viagem de um ano pela América do Sul. Para viajar sozinha esse período
economizou dinheiro trabalhando no McDonalds. Muito divertida e despachada com
muita experiência em mochilão pela idade que tem. Conversamos muito, tanto que
perdi a voz no final do dia. Nas novas rodas de conversa ainda participaram a
Flore, da Bélgica, também viajando sozinha, estava vindo de Iquitos, Peru, pelo
rio Amazonas e o Paulinho, trabalhador da Petrobras, gente finíssima,
aproveitava a folga da escala para visitar a família. Estes foram alguns
passageiros com quem passei mais tempo, mas haviam muitos outros. Um senhor que
acabara de separar da mulher e o assunto era só esse. Outro que fora a Manaus
atrás de documentos necessários para sua aposentadoria e estava completamente
desprovido de recursos, tanto que o Paulinho organizou uma vaquinha e ainda
apadrinhou ele no navio para que fosse respeitado pela tripulação. Muitas
histórias que se passam num ambiente confinado com pessoas completamente
diferentes, mas que de alguma forma trocam algo, deixam uma palavra, um sorriso
ou um olhar, experiência para a vida.
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